9.17.2005

Já sonho com Ngorongoro I

Então e a tua viagem Maria?
Está a correr bem?
Estás a gostar de Shira?


(clique na foto para aumentar)
Pôr-do-Sol visto de Shira
Photo © Gard.


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bin, estou a adorar Shira e só vou no 2º dia de viagem

espero chegar a Kili daqui a 5 dias. Vais estar por lá?



(clique na foto para aumentar)Chitas pequenas no Serengeti
Photo © Shah

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Maria,
estou no Quénia em Mombasa com uma expedição, amanhã saio para o Parque Nacional de Tsavo, fico lá uma noite, no dia a seguir saio para Nairobi vou deixar os clientes no aeroporto e apanhar 8 clientes que chegam. Parto em expedição no mesmo dia para Kili, ficamos ai uma noite, depois vens connosco para o Serengeti vou levar-te à Cratera de Ngorongoro um dos sítios mais belos de toda a África.
Até daqui a 5 dias!

Bin

Nota: à noite se ouvires barulho não te preocupes são leões, o Andwele está habituado ele trata disso!

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Combinado bin! Que ansiedade! Já sonho com Ngorongoro! Só uma coisa: o Andwele é fantástico e é verdade que nos tranquiliza - mas já viste a cicatriz que ele tem na perna!?

Cuida de ti e tenta ser paciente com os gringos.

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Bom dia Maria!
São seis da manhã já tomamos o pequeno almoço e vamos sair de Mombasa daqui a pouco para Tsavo.
Está tudo bem disposto mas sinto que o grupo já está com síndroma pré-partida, já começam a ter saudades do Quénia mesmo antes de partir, sabes quando se anda com um grupo de gente durante 15/20 dias cria-se uma ligação entre as pessoas como se se conhecessem há anos, uma verdadeira cumplicidade digamos, para além da imensidão das savana, da tranquilidade do Índico, da força e ao mesmo tempo da acalmia dos animaís, eu acho que elas sentem sobretudo as saudades de toda a aventura que estão a viver juntos, beberam o verdadeiro espírito de grupo..
Mas, depois conto-te melhor.

O Andwele é meu amigo há anos,como um irmão, já fizemos muitas expedições juntos, milhares e milhares de kms de jipe muitas noites ao relento, podes ficar perfeitamente tranquila.
Ele não gosta de falar sobre a cicatriz, isso aconteceu há muito tempo no parque de Tsavo, tinhamos saido uma noite para o meio da savana buscar uns amigos que tinham ficado com o jipe avariado, numa zona com muitos leões e búfalos, o Andwele estava um bocado distanciado do jipe um leão solitário esfomeado estava de olho num búfalo ali perto viu movimento e decidiu atacá-lo, os búfalos como por instinto juntaram-se em manada e defenderam-no.

O nome Andwele significa "trazido por Deus", ele acha que foi por isso que os búfalos o salvaram.

Mas,não te preocupes!
Não há perigo, fica tranquila.
Vive e sente África por isso vieste.

Quantos aos "gringos" não te preocupes o Andwele diz que tenho paciência de elefante...

Daqui a dias quando chegar a Nairobi comunico contigo.
Agora tenho de ir..

Abraço



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Já sonho com Ngorongoro II




Bin, esta foto e texto vão chegar-te via um padre católico de Likoni (que tendo nascido em Goa, fala português), ele decidiu regressar mais cedo a Arusha, não se estava a dar bem com a altitude. Tinhas razão quanto ao espírito de grupo e às amizades que se criam nestas aventuras. O padre Tonino falou-me tanto de Likoni e da sua missão que fiquei com vontade de passar por lá. mesmo se me falou de realidades muito difíceis, a Sida a assomar, gente pobre que é preciso alimentar, a dificuldade que teve para criar um dispensário, e sei lá que mais! Em Likoni há uma comunidade de católicos, penso que no total são 8 mil em cerca de 300 mil habitantes.

Disperso-me. Ou não consigo ainda falar-te da minha própria viagem. Acho que vou demorar algum tempo a digerir tantas emoções e cores e odores e brisas e horizontes sem limite. Cheguei a lamentar não ter optado pela estrada de Marangu (duvidava da minha boa forma física). Mas agora que me aproximo do Pico de Uhuru sinto que a estrada de Machame, o planalto de Shira, Kibo, a floresta, esta subida gradual, até a chuva (pois é, ou não estivéssemos em Abril..., eu pensei que a época das chuvas fosse só em Maio e Novembro!), a neve a 3° graus do equador, o rosto de cada um dos meus companheiros, o de Andwele que não vou nunca esquecer,... tudo isso, bin, eu tinha que viver.

Partilho a tenda com uma inglesa que se chama Gillian, morena e baixinha (julgam sempre que sou eu a inglesa :-) e a Gillian a portuguesa), e ontem estávamos exaustas mas não conseguíamos deixar de falar sobre as imensas coisas que temos vivido nestes dias, recapitulávamos... e depois paramos e as duas tivémos vontade de chorar. mas era um choro bom, eu acho que compreendes.

Amanhã vou fazer a subida pelo "Barranco hut" e não pelo "Arrow Glacier Camp" (conheces?). Medi as minhas forças e as pernas tremem. Temos que aceitar os nossos limites - outra lição de vida ;-)

Penso muito nas horas que se vão seguir. Sinto frio e calor. O Andwele adivinhou estes meus medos secretos - que convivem com o encantamento e a euforia - e, de tempos a tempos, descubro-o a olhar para mim, e então sorri daquela maneira e eu sei que "tudo vai correr bem".

Por ondes andarás agora? Encontramo-nos em que lugar? O "por lá" agora é imenso...

Ngorongoro a seguir... é bom demais!

mas bin, antes do Serengeti, podemos descansar uns dias em Zanzibar? acho que vou precisar de fazer uma pausa na marcha.
ficar deitada na areia.

beijos
Maria
P.S. Ando a ouvir Hukwe Zawose
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Já sonho com Ngorongoro III




(clique na foto para aumentar)
Foto de Colecção Particular
Tsavo - Quénia - Setembro de 2004



Maria,

Adormeci de cansaço junto à fogueira do nosso acampamento, são 4 e 41 da manhã e toda a gente dorme há umas horas, acordei com um ruído vindo do escuro da noite Jumah que fica sempre meio acordado meio a dormir diz-me que não é nada, apenas algum animal a passar bem lá ao fundo...
Agora que acordei lembrei-me que hoje em Voi o Peter do Lodge me entregou uma carta quando estávamos todos a almoçar, disse-me que um homem chamado Tonino a tinha deixado lá bem cedo quando ia a caminho de Likoni em Mombasa. Agora que li a tua carta percebo quem era o Padre Tonino, nunca o conheci, mas já por várias vezes ouvi falar dele e do seu trabalho na missão, sabes que fazem sempre falta pessoas assim que se dediquem de alma e coração a ajudar gente que bem precisa, aqui no Quénia, no Uganda, ali em cima na Etiópia lá embaixo em Moçambique e noutros países por onde tenho passado. A sida é uma realidade dura em muitos destes países, é impossível passar-lhe ao lado. Às vezes...às vezes dói-me o coração quando passo em algumas aldeias do Norte de Moçambique, as ONG´s deveriam intervir mais e mais e mais aqui no terreno. As pessoas aqui acreditam nos curandeiros, muitas vezes gastam todo o pouco dinheiro que têm em troca de uma cura, de uma cura da Sida, mas como? que cura?

Aqui tudo é diferente, os costumes os ritmos os ventos e o sol, mas pelo que leio na tua carta tu Maria estás a perceber isso não é? África mete-nos à prova, coloca-nos na nossa verdadeira condição de seres humanos, despidos de superficialidades e liga-nos intimamente à natureza muda-nos a forma de estar no mundo, faz-nos reflectir muito sobre o nosso eu, o que queremos onde queremos estar o que queremos viver. Talvez seja isso que estejas a sentir ai no plateau, questionas a tua resistência, medes as tuas forças choras de emoção é como que uma descarga de energias, como se estivesses a purificar o teu corpo o teu coração as áreas mais insondáveis do teu pensamento, começas a sentir agora a verdadeira África dentro de ti. Como compreendo isso Maria.

Hoje fizemos milhares de kms e estamos Tsavo Este desde bem cedo, estivemos de manhã no Yatta Plateau que fica junto à estrada que liga Mombasa a Nairobi, Yatta é um planalto com entre 5 a 10 kms de largura e com cerca de 300 metros de altura, foi originado por uma explosão de lava do Ol Doinyo Sabuk que fica a Este de Nairobi, a erosão dos tempos deu-lhe este aspecto absolutamente magnífico, os "gringos" como tu lhes chamas andaram quase sem palavras o dia todo à excepção do almoço em Voi no lodge do Peter, um deles o João diz que não quer ir embora do Quénia dizia-me que queria ficar aqui a acompanhar-me a mim e ao Jumah nas expedições...fartamo-nos de rir!

Depois de toda a gente ter ficado deliciada com o excelente almoço que o Peter nos serviu, decidi levá-los a Mudanda Rock que fica mais ou menos a 1,5 kms entre Voi e Manyani para se deliciarem desta vez não com uma refeição mas com os elefantes, numa das melhores zonas do parque para a observação de manadas de elefantes, saímos dos jipes e subimos acima da rocha onde o silêncio de novo imperou com os elefantes e as crias ali bem perto.

Como ontem Jumah estava especialmente bem disposto, ele fez ontem anos decidi fazer-lhe uma grande surpresa, há muito tempo que não íamos para as picadas a norte de Galana River a este do planalto de Yatta porque habitualmente estão fechadas ao público...mas, em Mundana Rock tinha conseguido falar com um amigo chamado Hassan que é chefe dos guardas naquele sector e pedi-lhe autorização, afinal somos só três jipes... ele concordou. Portanto Jumah nem sequer imaginava, quando entramos na picada principal ele não se apercebeu bem, só quando estávamos a chegar a umas rochas mais elevadas onde abaixo há duas grandes crateras de água no solo é que ele se apercebeu, Jumah já sabia o que nos esperava naquelas crateras, as impalas que ele adora e outros animais costumam ir lá beber água várias vezes ao dia. Tivemos sorte, elas apareceram mesmo!


(clique na foto para aumentar)
Foto de Colecção Particular
Tsavo - Quénia - Setembro de 2004

E ao fim da tarde entramos na estrada para Malindi, mesmo fora do parque por trás de Sala Gate. E aparcámos ali bem perto dos leões que se tinha alimentado à pouquinho, a assistir ao magnífico pôr-do-sol no planalto de Yatta, um pouco cansados do dia longo que tivemos mas absolutamente satisfeitos com ele e com o que a natureza nos tinha proporcionado! Principalmente ao Jumah que ontem fez anos!
E aqui estou eu agora, em Sheldrick Blind, numa zona onde há noite se podem observar os animais nocturnos, aliás os mesmos que me acordaram à pouco...

Vou ver se descanso mais um pouco Maria, a tua ideia de Zanzibar não me parece má ideia há quatro meses que ando em expedições sem parar acho que também me vai saber bem um descanso de uns dias em Zanzibar, vou falar com o Jumah para o irmão dele vir ter connosco a Nairobi quando os clientes do próxima expedição chegarem. Daqui a 4 dias vou estar por ai, nós encontramos-te não te preocupes, eu subi até Arrow Glacier Camp com o meu pai e com o Jumah quando tínhamos 11 anos, conhecemos bem a zona.

Maria mas depois de Zanzibar vamos a Ngorongoro, não estás bem a imaginar o que é Ngorongoro :)

Manda um grande abraço ao Andwele meu e do Jumah não te esqueças!


Beijo
Bin

Nota:Um amigo de Voi chamado Biko vai amanhã para Shira, ele vai levar-te esta carta.
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"Como queres que ele seja?"

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para ti, bin:

deus disse luz. ele disse estrada de Machame.

deus viu que era bom. criaram o primeiro dia.
ele sonhou Shira. deus concordou. adiaram Kili para o sétimo dia.

"Conta-me um conto - digo-te. Como queres que ele seja? Conta-me um conto que nunca contasses a ninguém." (Eva Luna)

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Maria,

Estou em Nairobi a noite foi longa muito longa, é a penúltima noite desta expedição, amanhã estes clientes partem para a Europa outros chegarão no mesmo dia. Jantamos todos no restaurante Tamarind - onde a especialidade é peixe e marisco do Índico acompanhados por um excelente vinho da África do Sul...a festa durou toda a noite, são sete e meia da manhã passadas o Sol já se ergue lá fora. Chegamos agora ao New Stanley Hotel onde estamos hospedados, vou tentar descansar um bocado amanhã aliás hoje vai ser um dia calmo e tranquilo. Talvez amanhã (hoje) dê noticias, já semicerrei os olhos duas vezes deve ser mesmo o sono a chegar e a imagem que vejo é do Lago Natron em Arusha na Tanzânia porque...----------------------------------------------------------------------------------------------------------------


Já sonho com Ngorongoro IV



Kili visto de Moshi

bin, estou em Moshi numa guest house [+ 255(0)553071]. Todos os outros foram deitar-se porque amanhã bem cedo vêm buscá-los para o regresso a Nairóbi. Eu não tenho sono. Provavelmente nunca mais os voltarei a ver, para além da Gillian, que quer que vá ao casamento dela em Junho (em Bath. já por lá passei, longe de imaginar que um dia voltaria para assistir ao casamento de um casal local. os pais têm um bed&breakfast. não lhe disse que os que conheci eram pavorosos, cheios de flores - no papel da parede, nas alcatifas, nas colchas... Estou a ser má. mais uma vez devaneio para não ficar triste. já tenho saudades dela, deles todos). Encontrei uma cassete vídeo do Paciente Inglês e estive a ver um bocado, depois parei. irritou-me este impulso de urbana europeia! mas anotei um diálogo. pensei "este é o bin!" ;-)

Katharine - I've been thinking about - how does somebody like you decide to come to the desert? What is it? You're doing whatever you're doing - in your castle, or wherever it is you live, and one day, you say, I have to go to the desert - or what?

Almásy doesn't answer. Katharine, who has looked at him for an answer, looks away. There's another long silence.

Almásy - I once traveled with a terrific guide, who was taking me to Faya. He didn't speak for nine hours. At the end of it he pointed at the horizon and said - Faya! That was a good day!

Point made, they lapse again into silence. Katharine boils.
Katharine - Actually, you sing.
Almásy - Pardon?
Katharine - You sing. All the time.
Almásy - I do not.
Katharine - Ask Al Auf.

Almásy asks Al Auf in Arabic. He laughs, nods.

[Esqueço-me que esta carta segue por fax, não pode ser longa]
[Depois falo-te da subida ao Uhuru Peak]

Amanhã vou voltar a Arusha com o Biko (ele tem que preparar a próxima expedição e eu quero ver o mercado_____ tirar umas fotos) e à tarde convidaram-me para ir ver as plantações de sisal, não sei se é muito longe. mas quero ver o produto de maior exportação da Tanzânia! Agora que já tens o telefone daqui, podes sempre ligar - para me dizeres quando chegas/ ou deixa recado.

Obrigada também pela gravação da Rokia Traoré, adoro!


Beijinhos
Maria
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Já sonho com Ngorongoro V

Maria,

Ontem comecei a escrever-te uma carta, mas fui vencido pelo sono e pela noite longa que tive aqui em Nairobi com os "gringos" como lhes chamas eles amanhã partem para a Europa.
Hoje fizemos ou vivemos a festa de despedida, por mais que esteja habituado às partidas durante uns dias vou sentir a falta deles principalmente do João (o que queria ficar por cá connosco) é um tipo alegre e sempre bem disposto, um verdadeiro apaixonado por África!
Chegamos ao hotel já tarde, fui até ao bar com o Jumah estivemos à conversa mas, outros pensamentos me tocam, por isso peguei no jipe e fui dar uma volta sozinho por Nairobi acabei por sair da cidade parei onde a escuridão da noite é apenas iluminada pela luz ténue da lua e das estrelas. Lembro-me do Saara, das minhas expedições no deserto com o Ahmed e com o Mohamed das nossas viagens nocturnas pelas dunas, sinto saudades de estar deitado no Erg ao som dos djembes pela noite dentro, que saudades da via láctea ali mesmo acima de mim...

Recordo-me da despedida de solteiro do Abdul, depois de um grande e longo jantar à boa maneira tuaregue com vários pratos de couscous, mechoui e tagines , nessa mesma noite deviam ser umas tantas da manhã agarramos nos Defender's saímos de Erfoud e fomos para Merzouga para o Erg Chebbi, estavam connosco uns amigos de Zagora também...metemos os jipes em U fizemos uma fogueira com uns bocados de madeira que andava no jipe do Mohamed e sentámo-nos ali, com o silêncio da noite com o fogo e com a lua que estava cheia nesse dia - é a fase da lua que mais gosto, o Ibrahim tinha trazido umas garrafas de Whisky daquele arranjado à sucapa através de um amigo, a Ahmed que é um amante de Ali Farka, ligou o rádio de um dos jipes e quase toda a gente se calou, Ali Farka é um dos músicos saarianos mais respeitados pelos tuaregues e mesmo pelos berberes, pelo que fala nas suas músicas, pela forma de tocar, porque é um dos melhores músicos africanos de sempre...

Haviam uns djembes espalhados pela malta e alguns tambores artesanais feitos com pele de dromedário, não havia vento a noite estava amena estávamos só de djalaba vestida em cima do corpo, de repente dão-me um copo do tamanho de um copo de galão cheio de Whisky eu gosto de whisky mas...o tamanho do copo, ainda por cima cheio fez-me pensar duas vezes, dei um trago e um amigo nosso francês que bebia gin como quem bebe água agarrou no copo e bebeu quase directo, entretanto enquanto íamos rindo, conversando, brincando alguns iam fazendo uns cachimbos de Kif que iam rodando pela malta, o Ahmed explicava ao Michel como se podia guiar pelas estrelas à noite no deserto, as direcções que devia tomar o Michel apesar de já estar mais para lá de Bagdad - como dizia o Hassan, estava muito atento a ouvir as explicações do Ahmed.

Eu falava com o Ibrahim e com o Mohamed de umas pistas novas que tínhamos de fazer junto à Argélia mais a Sul e das pistas que um amigo meu de Marraquexe o Abdjahlil - um ex-militar que tinha prestado serviço militar no Sul do país me tinha falado, bem a Sul entre Tantan e a Mauritânia, Mohamed é um grande amigo meu de Erfoud assim como o Ahmed e o Hassan, já vivemos experiências fantásticas no Saara foi com eles que aprendi quase tudo o que sei sobre o Saara, como enfrentar uma duna como me orientar à noite pelas estrelas como me orientar durante o dia foi com eles que explorei imensas pistas no deserto foi com eles que vivi aventuras mil.

Por isso me lembro agora aqui em Nairobi a milhares de kms dos meus queridos e grandes amigos, já faz tempo que não estou com eles Maria, já faz tempo que não nos metemos pelas pistas à aventura à descoberta de novos caminhos de sítios onde o homem nunca esteve, nem mesmo os nómadas!

Mas, estava a contar-te da despedida e já me estava a perder, então passado umas duas ou três horas talvez, ainda os djembes tocavam e quando um djembe toca tu também tens de tocar, entras no ritmo da música o teu corpo começa quase por instinto a entrar no ritmo que os teus companheiros tocam e por momentos parece que entras dentro da música, parece que estás a subir e descer dunas pela sua crista sem lhes tocares...ou seja, consegues colocar na música a aridez da paisagem, a suavidade das dunas a morfologia da terra. De repente sentímos vento vindo de Sul, em menos de cinco minutos levantou-se uma das maiores tempestades de areia de que tenho memória de viver no Saara, os amigos foram entrando nos jipes, eu fiquei cá fora com o Ibrahim ainda na conversa o vento e a areia eram de tal maneira fortes que eu sentia a areia nas costas como se pequenos alfinetes se tratassem, claro que entramos para dentro do jipe, lá fora não vias nada à distância de um metro...

Claro que tivemos de aguardar até a tempestade abrandar um pouco o que demorou quase uma hora...

É talvez a nostalgia e a saudade a falarem, não sei bem Maria. Tenho feito amigos, bons amigos pelos sítios por onde passo, amigos que não se esquecem e que não se esquecem de nós...tudo isto em viagem.

Hoje recebi um fax teu no Hotel, já apontei o número que me mandaste talvez te ligue...Estás meio meio por causa da partida dos teus companheiros de expedição é normal que assim seja, criam-se laços entre as pessoas são muitos dias juntos quase o dia todo e noite, é difícil depois, durante uns dias parece que falta algo a que já estávamos habituados. É um vazio que se cria, mas aqui em África, é sempre assim uns partem outros chegam acabamos por nos habituar vamos conhecendo muitas pessoas diferentes, de diversos países, mas todas elas têm algo em comum...este continente. Vê lá a Gillian até te convidou para o casamento dela e tudo, não te vai esquecer, acredita.

Se tudo correr como o previsto chego ai dentro de um dia ou dois, tenho de esperar aqui pelo irmão do Jumah para organizar bem a expedição destes clientes que chegam, para depois partir tranquilo para ai e descermos até a Zanzibar para descansarmos uns dias no Índico.

A cassete que te mandei pelo Biko da Rokia já não está em muito bom estado em parte por causa do calor, depois dou-te outra que tenho na minha casa perto do Ngorongoro quando tornarmos a subir a Tanzânia...

Maria hoje pensei em sair do Quénia durante dois ou três meses, preciso mesmo de ir ao Saara, percebes bem isso não é? Daqui a umas semanas podíamos partir, subíamos até ao Sudão, atravessamos o Chade e ficávamos uns dias no Deserto absoluto no Níger, viajávamos de noite por causa do calor e ficávamos nos oásis durante o dia...temos de pensar nisso...

Mas vou deixar-te digerires primeiro o Ngorongoro – um dos sítios mais belos do mundo como te disse. Ao ritmo africano porque como diz o meu grande amigo tuaregue "a pressa mata"...

Boa visita às plantações e manda um grande abraço ao Biko e ao Andwele não te esqueças!


Beijo
Bin

"You could feel the silence on your skin. There were no smells and no flies, which was remarkable in that part of the world."
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Foto de Colecção Particular
Quénia - Setembro de 2004

Maria, deixo-te este poema

Beijo

Bin


"Naturalidade

Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum
pensamento europeu.
É provável... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando."


Rui Knopfli escreveu no seu livro "O país dos outros", 1959----------------------------------------------------------------------------------------------------------------


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Foto de Colecção Particular
Quénia - Setembro de 2004



Maria, deixo-te mais este que me tinha esquecido de enviar juntamente com o anterior.

Beijo

Bin

MANHÃ

"Erguida do fundo das águas plácidas
dum lago surge Mulher.
Limos na pasta dos cabelos
escondem o mistério dos olhos
olhando a curva do seu ventre.
Flutuando
entre sombras e reflexos
duma luz longínqua,
a forma dos braços
ganha o mais e mais fundo das águas.
Os seios erguidos
apontam ao longe
a aurora que vem.
Em volta,
musgos, líquens, algas,
em fosforescencias arbóreas
de constelações que lembram
os recessos da vida.
Em plantas aquáticas, marítimas,
chegam-lhe da floresta
lutas de homens, desesperos e cansaços,
feras e povos divididos, misturados
confundidos
para a sua criação.
E tudo esquecido ou ignorado,
só no lago
o corpo erguido,
jovem,
abrindo nas sombras o seu perfil que nasce
o seu perfil de Mãe
dos Homens do futuro."


Alexandre Dáskalos (Poesia, 1961)----------------------------------------------------------------------------------------------------------------


Já sonho com Ngorongoro VI






Quando foi que te escrevi a última vez? Os dias são longos, perco a noção do tempo. Disse-te que ia ao mercado de Arusha com o Biko? Foi no dia em que o meu grupo de montanha partiu. Estava a sentir-me um bocado perdida e sozinha. Apetecia-me aquele conforto que se encontra apenas com os velhos amigos, o passado comum que nem se evoca, ele está lá e não é preciso descrever ou justificar coisa alguma, bate-papo de quem se reconhece. Na verdade pensava sobretudo na Graça e na Valentina, sabes que fizemos umas viagens muito giras lá mais para o Norte: as três de mochila, sem reservas nem dinheiro para hotéis de luxo, e correu sempre tudo bem. foi espantoso. conhecemos tanta gente boa. Bem, nesse dia faltava-me essa camaradagem e cumplicidade. E depois sou largada pelo Biko no mercado e descubro que é a semana da Mulher! Ao telefone pediste-me impressões, falavas da minha chegada a Nairobi e querias saber do impacto que tudo está a ter em mim desde esse dia. Pois olha que é confuso. Caiem ideias feitas, agravam-se suspeitas, entram novas realidades. No Quénia, e aqui também, há uma enorme miscelânea de ritmos e influências, raízes e impérios, pés nus e t-shirts de contrafacção de marcas, poligamia e a semana da mulher, crianças por todo o lado e uma mesa com contraceptivos no mercado. E essa mistura começa nos nomes das pessoas. Sabes quem são o David Kagai, a Judy Wanjiku, o Tony Githinji ou o Jimmy Kibaki? Pelo último nome foste lá - são os filhos do presidente do Quénia, Mwai Kibaki. Pai Mwai, filho Jimmy. Gostei deste mercado. Nenhuma das mulheres (quase não vi homens) se chamava Judy. E meteram-se comigo, acho que gozaram comigo, riam-se imenso, queriam mesmo perceber o que fazia ali já que estava sozinha. A curiosidade é permitida.

Os homens falam menos. Sabes isso. Quando vejo a quantidade de jovens que passam os dias na estrada, sentados ao sol, desocupados, à espera de um biscate, percebo esse silêncio... Estarei a fazer um filme? Mas esta terra "esmaga-me". A natureza "esmaga", o que se adivinha da vida destas pessoas também "esmaga".

Preciso do sorriso do Andwele.

A foto que te envio foi tirada no mercado em Arusha. Fiz compras a pensar nesta longa viagem. a pensar também no deserto. Atravessar o Sudão, disseste. Acreditas que vi "jóias" que pareciam fazer parte do tesouro de Méroé ?

P.S.: min fadlik bin, traz-me repelente para os insectos, o meu está a acabar. shukran

Beijos
Maria
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(clique na foto para aumentar)
Foto de Colecção Particular
Quénia - Setembro de 2004

Maria,

Recebi as tuas cartas e o teu poema, espero que estejas bem!
A viagem está com dois dias de atraso, mais logo dou notícias!

Kwa Heri, Usiku mwema
Beijo
Bin


Nota: Este poema original do poeta
Quss Ibn-Sa'idah, foi-me oferecido.Assante Sana Maria!

"La-y-lun daj ua naharun saj

Ua sama`un dhatu abraj

Ua nujúmun tazhar Ua jibalun mursáh

Ua bihharun tazkhar Ua ardun mudháh

Ma bal an-n-asi yadhhabúna

Ma bal, ma bal hum la yarj'aúna?

Ínna fy assama`i lakhabara

Ua ínna fy-lardi la'ibara

Ayna-l-aaba`u? aaráddu faqámu?

Ayna-lfara'inatu? túriku fanámu?

Man 'aasha maat ua man maat faat

Ua kulun ma hwa aatin aat"
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Já sonho com Ngorongoro VII

Ainda o sol não clareava o horizonte já eu e o Jumah estávamos nas pistas, partimos hoje do Lago Amboseli que fica bem pertinho da fronteira do Quénia com a Tanzânia. O Handjyk (irmão do Jumah) ficou lá com os quatro italianos, três francesas, sete portugueses e portuguesas, três americanos, um espanhol e duas islandesas que compõem a nossa expedição, depois de três dias a viajarem juntos penso que o grupo está integrado, só nos voltaremos a encontrar no Serengeti daqui a uns largos dias, estou tranquilo Handjyk é um excelente guia fala várias línguas, é afável, muito simpático e extremamente bem disposto, ao mesmo tempo um excelente profissional já fizemos muitos milhares de kms juntos...mas isso é outra história.
Estou com dois dias de atraso, a Maria desceu hoje com o Andwele para Arusha onde nos vamos encontrar para seguirmos rumo a Zanzibar. Segundo a última carta que recebi dela andava com o Biko no mercado, a comprar algumas coisas para a Grande Viagem. A absorver as vivências, as realidades africanas também...

Gosto de ouvir as pessoas e exteriorizarem o que lhes atravessa o pensamento quando são confrontadas com esta realidade bem distinta, quente, misteriosa, onde a natureza de facto impera, as cores, os cheiros, o calor epidérmico como lhe chamo... apercebem-se que existem coisas absolutamente dispensáveis e que a vida pode ser bem mais livre e cativante do que à primeira vida possa parecer.

Chegamos a Arusha, junto à hora de almoço, confesso que eu e o Jumah estávamos a necessitar de ingerir um alimento qualquer, uma coisa fresca...fomos ao mercado numa tentativa de encontrar "watermelons" como dizem os ex-colonos do Quénia. Encontrámos uma pequena banca com imensos "watermelons" o Jumah olhou para mim com um olhar cúmplice e sorriu, estavámos nós a discutir o preço, ele a dizer ao Jumah que lhe fazia um bom preço mas que quando passássemos lá com expedições que tínhamos de ir à banquinha dele:)
Sempre a negociar.

No meio desta "discussão" ouço um som característico (uma espécie de código-som), era o Andwele só podia até o Jumah parou logo de falar, a uns metros de nós lá estava o Andwele, confesso que já tinha saudades dele o meu grande amigo e companheiro de muitas viagens!
Demos um abraço, daqueles apertados que vocês sabem como é...

E a Maria, Andwele?
Qual Maria? - diz ele com uma cara séria.
Olhei para ele sem dizer palavra e no segundo a seguir Andwele começa a rir-se às gargalhadas, sempre com as suas pequenas partidas...
A Maria estava do outro lado do mercado, provavelmente a comprar alguma coisa em que tinha ficado a pensar desde a última visita ao Mercado com o Biko, num ritmo africano fomos até lá, parámos a uns metros e lá estava a Maria com umas peças na mão a discutir o preço com o vendedor.

Senti-me bem, muito bem, percebi pela forma como a Maria falava com o vendedor que ela estava ficar perfeitamente absorvida pela forma de estar e viver em África, o seu sorriso enquanto dizia ao vendedor que não pagava mais...
Estaria Maria, uma europeia a ficar com sangue africano a correr-lhe nas veias? ou a ficar com o coração africano? Que força teria a Mãe - Terra sobre ela?

Sorrateiramente dei uns passos, e tapei-lhe os olhos (um hábito que me vem dos tempos de miúdo, quando apanhávamos um amigo ou amiga distraídos eles tinham de reconhecer a palma da nossa mão...), claro que a Maria descobriu quem era, apesar de já não nos vermos há várias semanas. A verdade é que demos um forte abraço. Começava ali naquele momento a Grande Viagem.

Depois de comprarmos mais alguma coisa para nos alimentarmos, partimos de Arusha rumo a Zanzibar, pela estrada que liga Arusha a Dodoma. Escusado será dizer que a Maria esteve a contar-me algumas das suas aventuras em Moshi, em Shira, falava das pessoas, dos amigos que tinha feito, de como a paisagem "esmagava", da liberdade, da Montanha, das noites com o céu ali bem por cima, da viagem. Este diálogo era entrecortado pelas paisagens magníficas por onde esta estrada passa, como tinha chovido à uns dias decidi fazer um desvio pelo Lago Manyara antes de Babati, o verde tinha florescido a cor da terra estava mais castanha, mais alimento para os animais havia. E assim também maior probabilidade de os podermos observar tranquilamente a beber o seu "chá" da tarde nas margens do lago.

Quando íamos num pista parámos o jipe um pouco para observar umas zebras ao fundo, estavam à nossa direita, estávamos em silêncio quando muito de repente e quase sem ruído nenhum ouvi algo do meu lado esquerdo num monte mais elevado...

Era uma leoa majestosa e imponente.----------------------------------------------------------------------------------------------------------------


Já sonho com Ngorongoro VIII

Sabes bin, às vezes acredito na reencarnação. Vá, tem calma. Acontece que conheço esta leoa. Não só já a vi, como os nossos olhares já se cruzaram. E confiamos uma na outra. Reconheço-me nesta fêmea mas não sei explicar-te como. Talvez a minha memória se divirta a recriar imagens de infância e o meu pensamento mágico me engane. Mas não foi por acaso que, num impulso, me dirigi a ela e que ela se deitou nesse preciso momento, tranquila. Perdoa o susto. O que aconteceu depois? Não sei, "acordei". E então dei-me conta de que corria perigo. Por isso fiquei imóvel e concentrei-me apenas nas palavras do Andwele. Baixar o olhar, recuar lentamente.

Ficaste louco. Ainda vais ficar mais quando leres isto. Persisto numa inconsciência que te parece inaceitável. Para compreenderes tens que te lembrar que nasci no Dundo. Dundo, capital da Lunda Norte. Os meus irmãos de brincadeiras sempre tiveram, uns bonecas que vinham do Puto (como os "colonos" chamavam a Portugal), outros amuletos.
"Mininos" e monas, juntos. Não se nasce e cresce impunemente num lugar. Sabes isso. Os Matas (senhores) podiam estar divididos, mas nós não. Descalça no meio dos quiocos. Parecia-me natural pertencer também àquela terra.

Ainda antes de partir, enquanto preparava esta viagem, sentia que lentamente regressava às origens. Fui ao fundo do baú. Peguei no velho Ngombo e lancei mesmo aquelas figurinhas esculpidas em madeira. Saiu-me Mikama e Tchilôwa. Free Image Hosting at www.ImageShack.usSe acreditares em Tchokwe, sabe que a viagem vai correr bem. Espero que isso te tranquilize (se calhar, não). Mas deixa-me dizer-te mais: quando estas duas figuras se juntam, lembram ao viajante que devem respeito aos ídolos que forem encontrando no seu caminho. Esta leoa é um ídolo vivo. E eu sei, bin, que vai haver mais. Estamos apenas no princípio da grande viagem.

Amigo, obrigada pela tua companhia e pela tua generosidade. A tua vontade de me mostrares a tua África faz-nos percorrer quilómetros imensos a que chamas "pequenos desvios". O lago Manyara, depois o Parque Nacional de Tarangire. Não sei se vai caber tudo dentro de mim.

Agora estamos quase a chegar a Zanzibar. Anseio por ver a cor do mar. Dizes-me que é azul e límpida mas mais a norte, no Quénia, encontrei um Indico de águas turvas. Depois explicas-me porque é que é assim.

E vai ser bom encontrar o Bagaço, se tudo correr bem vai juntar-se a nós esse amigo. Aposto que já conhece os melhores bares de Zanzibar e que já escreveu alguns contos negros com marinheiros desdentados e prostitutas que viram os vestidos subir, mês após mês, com a certeza de nunca mais verem os amantes que as deixaram assim, gordas de vida.

Um abraço grande (já to dou)
Maria


P.S.: Dou-te o texto agora, mas só o lês quando eu não estiver por perto.
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Já sonho com Ngorongoro IX


Ras Nungwi Beach Hotel, Zanzibar

bin, ou meu querido Jacques Mayol, como não sou o Enzo Molinari, não consigo acompanhar-te nesse mergulho no Grand Blue. Os destroços do Pegasus vão continuar a ser um mistério para mim. O que restará de um barco afundado em 1916 em plena Grande Guerra? Enfim, para não ficar deep blue tento imaginar os mergulhos que faremos no recife de Pange. Corais e peixes tropicais, mergulhos nocturnos, um mar terno, caliente e acessível até a mergulhadores pouco experientes (como eu, que tenho mais pele e olhos que respirações compassadas e lentas). Mas deixaste-me preocupada com o mergulho de hoje, não te escames! Cuidado com os refúgios das moreias - não existem apenas nos livros do Spirou. E espero que não te aventures demasiado pelas profundezas - o Andwele disse-me que em Mombassa têm câmaras hiperbáricas mas que aqui os barcos só estão equipados com kits de oxigénio. Não queiras ser um homo delphinus!

Quanto a mim, não te preocupes. Estou a gostar deste "Desesperadamente à procura de Bagaço em Stone Town". Não imaginas os lugares por onde já andei. É verdade que ainda estranho. Ando solta e desconfiada, curiosa e recatada, com vontade de sorrir a toda a gente e de me deixar queimar pelo sol e ruídos e rezas e ao mesmo tempo, um pouco assustada com este bazar de mundos.

Comecei no Darujani Bazaar e não, não comprei aquelas bugigangas chinesas. Fiz o que me aconselhaste, meti-me pelo labirinto de pequenas ruelas ali à volta... e andei a ver se me perdia! Depois apanhei um dala-dala até ao Forte Árabe. O motorista andava nas faixas da direita e da esquerda mas ninguém pareceu estranhar, pelo que me limitei a inspirar e expirar com força até aquelas voltas me saberem bem! Pelo menos havia ar! Ainda me lembro de ir da Praia ao Tarrafal, em Cabo Verde, numa IACE - a carrinha Toyota "adaptada", em vez de 9, levava uns 20 passageiros! Os dala-dala têm a vantagem de não ter janelas e o tecto faz alguma sombra!


Como já conheces, não te vou falar muito de Stone Town, deixo-te só as razões do meu espanto. Quase todos os edifícios históricos tiveram utilizações muito diferenciadas ao longo do tempo!? O Forte foi usado como tal pelos omanis, depois foi transformado numa prisão, mais tarde os portugueses fizeram dele uma igreja, e agora tem um restaurante e lojas de souvenirs!!! A House of Wonders, residência da raínha Fatuma, foi depois a sede do Protectorado inglês! O Old Dispensary, mandado construir por ocasião do Jubileu da Rainha Vitória, é agora o Cultural Center! No subsolo da Catedral Anglicana podemos visitar as celas dos escravos negros! O Templo hindu Shakti já não tem hindus! Talvez por causa de todos estes filamentos da História, de povos e culturas e religiões, Stone Zanzibar parece-me cada vez mais misteriosa.

Outra coisa, este suaíli é um bocadinho diferente do que se fala na Tanzânia. Na Kelele Square tive alguma dificuldade em perceber o que ouvia! Encontrei depois um guia que me disse que este suaíli é mais "puro". Falou-me do kiswahili, de que deriva o suaíli, que nasceu do casamento de línguas de vários povos - árabes, persas, omanis e dos bantus de zanzibar! Por isso, em Zanzibar, estão mais próximos da origem! Já agora, sabes que kelele quer dizer barulho? Nome que seria certamente apropriado para um mercado de escravos! (agora tem lá um salão de beleza, não é bizarro?)

Quando nos encontrarmos logo, tenho uma mão cheia de perguntas para te fazer, depois de me contares a aventura no Pegasus. Para além do suaíli, do árabe, do inglês, como é que tanta gente também fala italiano? E é verdade que em Pemba se podem ver touradas à portuguesa? (e porque não em Unguja?) Que história é essa da Guerra dos 40 Minutos? Só sei que envolve ingleses e sultões e que consta como a guerra de menor duração da História. Os Banhos Persa Hamamni ainda funcionam? ______Podia continuar a puxar as pontas dos mil e um novelos!

Sabes que esta avidez de saber é falaciosa, não sabes? Os dados novos apenas distraem um pulsar que tenho que conter. Apetece-me suaílar, regatear, mas sobretudo dançar, esquecer o calor e as regras do Islão.

Conheces o Bi Kidude?
Ele vai estar no Mambo Club logo à noite. Vê se chegas cedo. Até porque não sei se encontro o Bagaço! Desde que lançou aquele primeiro livro, nunca mais parou. Às tantas está para aí fechado a escrever o próximo best-seller!

Isto de viajar com um Indiana Jones e um Costa-Gravas é muito divertido mas às vezes é um pouco solitário (schuiff). A POPULACÃO É 95% MUCULMANA E EU SOU MULHER FËMEA USO SAIAS TENHO PELE CLARA OLHOS ESMERALDA VALHO TANTOS CAMELOS QUANTOS OS KM DAQUI ATÉ AO DESERTO DO SAARA! AINDA ME RAPTAM!

Para nem pensares em adormecer quando chegares do teu mergulho heróico, deixo-te esta carta e o leitor de cd's. Pedi na recepção do Hotel para os colocarem no teu novo quarto (também mudei, tinhas razão, é melhor mesmo em frente à praia).Free Image Hosting at www.ImageShack.us

Agora bin, carrega no Play.

Bi Kidude, o rei do taarab, 93 anos, canta Beru

Kwa Heri
Maria
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Já sonho com Ngorongoro X

Habari za asubuhi Maria!

A esta hora ainda deves estar a dormir depois dos "kms" que tens feito por Stone Town adentro, como sempre gosto de acordar bem cedo sentir os primeiros raios de sol, a passagem do silêncio absoluto para a azáfama do dia, os sons dos animais e o som do mar sempre presente não é?

Ainda bem que mudaste de quarto, acordar e ter defronte este Oceano Índico sereno e tranquilo é qualquer coisa de fabuloso. Olha lá bem para ele, não consegues dizer o contrário pois não?

Que surpresa a tua! Cheguei mais morto que vivo, completamente cansado depois de horas debaixo de água...sabes depois dos primeiros vinte minutos esqueceste de respirar, até parece que nasceste ali, bem no meio do oceano...parece até contraditório. Eu que trago as areias do Deserto bem dentro do sangue sentir-me desligado do mundo debaixo de água... talvez o mar e o deserto sejam irmãos gémeos separados à nascença, talvez a sua grandiosidade seja comparável aliás, eu diria simétrica mesmo, algo que nos enche a alma por completo sinto-me em perfeita e absoluta simbiose com a natureza em todo a seu esplendor.
A sua beleza é imensurável, a sua dimensão... e o azul? Este azul que me transborda o olhar, ou será a transparência das águas? ou será a cor dos peixes? os corais?

Maria devias ter vindo mergulhar connosco, tens de vir nos próximos dias, entras em compasso e de repente esqueces, esqueces que tens de respirar e mergulhas, deixas envolver-te nestas águas serenas, vês os peixes começas a persegui-los deixas-te deambular pelas águas como se estivesses a dançar, num bailado paulatino e abrangente.

E o silêncio absoluto bem lá embaixo? quase que ouves o teu coração a bater...ai também te viras para dentro, tal como quando andas no meio do Saara. Em vez da aridez e da imponência do deserto tens a imensidão que perdes de vista no mar. O desconhecido, o enigma das profundezas, a verdadeira beleza da fauna marinha.

Mas, dizias tu Stone Town, dizias tu House of Wonders, sabias que o seu nome é Beilt el-Ajaib?
Foi construído em 1883, era o palácio do Sultão e foi um dos primeiros edifícios no Este de África a ter energia eléctrica? Dizias Forte Árabe, que foi construído em 1700 pelos portugueses...
Agora digo-te eu, Beilt al-Sahel que serviu de residência ao Sultão até 1964, agora como sabes é um Museu...
E o fascinante e estreito labirinto que é Stone Town, os seus bazares, as mesquitas a quantidade de pequenas lojinhas pelas ruas? Bem me parecia que te ias perder, nos teus passeios de descoberta e absorção de novas realidades, os cheiros e os sons Maria?

E o Bagaço? Onde será que ele andará? Temos de por o Andwele no encalce dele, de certeza que vai encontrá-lo, tenho a certeza. Depois logo quando eu chegar bem à noite, vou lá ter contigo e com o Andwele, depois claro de ele ter resgatado o Bagaço:)

Estas fotos que te deixo, são a recapitulação do meu dia de ontem, a primeira é no "barquinho" do Mustafá, antes de sair de manhã fui dar uma volta com ele, para conversarmos um bocado enquanto ele tentava pescar um pouco...


A segunda foto foi tirada quase ao meio dia, estava a preparar-me para mergulhar no Pegasus, quando passou um barco de pescadores que moram na praia de Kendwa.

A terceira foi quando cheguei a terra - à praia de Kendwa, parei a contemplar o mar, e de repente lembrei-me do Zeca...parece estranho não é?

Mas, talvez não seja assim tanto, existe uma ilha na costa portuguesa onde o Zeca costumava ir descansar uns dias, já estive lá várias vezes com os amigos. Existe uma Duna alta nessa Ilha de onde tu podes observar toda a ilha, um espécie de retiro espiritual, ele costumava sentar-se no topo da duna e pela calada da noite ficava horas e horas ali a contemplar o mar, as estrelas e a lua. Numa noite de lua cheia, eram talvez duas da manhã meti-me a pé pela areia andei andei andei até encontrar a duna mais alta. Era aquela, subi a duna toda e sentei-me completamente solitário durante horas e horas no seu topo, ouvia o mar a sussurrar, sentia as estrelas a brilharem e a lua cheia a sorrir...foi dos momentos mais intimistas da minha vida. Aqui partilho esta pequena vivência, mas estava a falar-te da praia de Kendwa, onde me sentei a ver o pôr-do-sol sob as águas do Índico. Por vezes as memórias misturam-se com os momentos do hoje e de agora...

Fica para ti este apontamento como retribuição ao teu gesto, à tua carta , à música que me deixaste, depois de um dia magnífico e do silêncio debaixo do Oceano, sabe bem, muito bem escutar Bi Kidude quando os sonhos se misturam ainda com a realidade, que bom final de dia.

Deixo-te também Rasha com a música Leila - a palavra que em árabe significa noite.

Espero que encontrem o Bagaço, ao fim do dia estou cá, se eu não estiver a horas...vou ter convosco ao Mambo Club.

Um Beijo

Bin
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Já sonho com Ngorongoro XI

Maria,

Ontem cheguei tarde do Pegasus, fui ao Hotel tomar um duche e zarpei para o Mambo Club para ir ao vosso encontro.
Não estavas nem o Andwele, mas estava o Bagaço, aliás o Ivar! Tinha estado com o Andwele ao fim do dia, e combinou com ele encontrarmo-nos todos no Mambo para uma noite longa.

Estivemos à conversa ao som de El Tanbura Group do Egipto, Seiyun Popular Arts do Yemen Imena do Ruanda, Ndeef Leng do Senegal e Pamuzinda do Zimbabué à fala dizia eu, sobre Zanzibar, sobre a Tanzânia e a Grande Viagem que nos espera pela frente depois de partirmos aqui da ilha, por entre vodkas, gins e whisky a conversa fluia, o Ivar está encantado com as gentes, a música, os sabores e os cheiros da ilha, contou-me que conheceu uns pescadores ontem na doca, e que partiu com eles mar adentro acompanhando-os na pescaria...falamos sobre África, sobre o seu magnetísmo o seu poder Mãe-Terra, depois o Ivar conta-te os pormenores. Percebi que ele está preparado para partir connosco nesta longa viagem, acho que vai andar no limbo quando entrarmos no Serengeti..para não falar no Deserto ou no Kilimanjaro:)

Vi ao longe o Andwele a entrar no Mambo, sózinho e com cara de poucos amigos, o Andwele que anda sempre de sorriso na cara, calculei que alguma coisa não estaria muito bem.
E de facto não está Maria, o Andwele perdeu-te o rasto às cinco e tal da tarde!

Disse-me que tinham ido ao Hotel, e que tinhas uma mensagem qualquer, veio contigo até Stone Town e depois evaporaste-te de repente! Já correu tudo à tua procura e nada, falou com amigos nossos da Mizingani e ninguém te viu.

Maria! Eu nunca perdi ninguém em nenhuma expedição portanto, não vais ser a primeira, imagine-se eu que tirei uns dias para descansar deixei os clientes com o Jumah e o irmão para estar tranquilo e agora tu Maria do Rosário desapareces em Zanzibar?

O Andwele está cansadissímo deve ter andado não sei quantos kms a pé, ficou no Mambo a comer alguma coisa e ia telefonar a uns amigos nossos de Bububu e de Mangapwani para estarem alerta, eu e o Ivar enfiamo-nos no jipe para irmos à tua procura, por um lado estava descansado porque o último barco que saiu da ilha foi às 4 da tarde, e vocês só mais tarde se separaram...fui o hotel, e nada nem mensagem nem coisa nenhuma. Disse ao Ahmed do Hotel para se tu chegasses para nos dizer alguma coisa.

Onde estarás tu Maria?

Escusado será dizer que não dormimos não é? Decidi percorrer a ilha toda com o Ivar , como tenho alguns amigos em Mtende, em Kiwengwa e noutros sítios telefonei-lhe antes de partir, saímos de hotel, fiz três vezes hoje o caminho de Nungwi do hotel até Stone Town, passamos no Mambo e o Andwele não tinha novidades, pedi-lhe para partir para Pongwe como tinhas adorado a praia podias ter tido alguma ideia aventureira não?

E nós partimos para Mtende, passámos por Tunguu, Bungi, Pete, Kitogani, Kufile, Kizimkazi e chegamos de madrugada a Mtende.
Acordei o Lobo, podia ser que ele soubesse de alguma coisa, a ilha parece grande, mas, no fundo é bem pequena...estou completamente estoirado, depois de seis horas de mergulho fazer quase 300 kms sem dormir...nada a que não esteja habituado não é?

O Ivar nem queria acreditar que tu tinhas desaparecido logo no dia em que nos iamos todos encontrar, eu confesso que estava a achar isto muito estranho, não te estou a ver a desaparecer assim sem deixar rasto..

Fizemos a costa toda de Mtende até Bwejuu passando por Paje e Maria nem vê-la!

Eram onze da manhã liguei para Nungwi para o Hotel e nada de ti...nem do Andwele, que ainda devia andar na estrada.

Será que tinhas ido para a Floresta Jozani pensei...mas para passar por lá tinha de ir primeiro a Pingwe, o Ivar dormitava um pouco no Jipe, chegamos a Pingwe falei com uns amigos pescadores, que ficaram de me contactar caso aparecesses por lá, de mãos vazias continuamos, atravessamos Jozani até Chawka, tornei a falar com uns amigos que moram junto à praia e de ti nem rasto. Maria estou a ficar um bocadinho preocupado.Sinceramente.

Estás num território que conheço, portanto temos de te encontrar penso. Como o Andwele já tinha feito a costa de Pongwe até Nungwi, passei por Dunga, Uzini, Upenja e Kinyasini.

Chegamos ao hotel passavam das quatro e meia da tarde, o Andwele já estava lá e de ti nada Maria!!

Fomos almoçar qualquer coisa, fizemos uma ronda telefónica pelos amigos com quem tinhamos estado e ninguém tinha notícias...

O sol estava a fechar o horizonte ao final do dia, ligaram de Stone Town a dizer que te tinham visto em Shangani na parte velha da cidade...partimos os três para Stone Town.

Espero que te encontremos Maria! Estamos todos há mais de 24 horas sem dormir, absolutamente estoirados...


Bin
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Já sonho com Ngorongoro XII - SOS

Atravessei a porta da frente, vi o mausoléu, e depois a curiosidade matou o gato!

bin, estou fechada, escondida - há quantos dias? - no minarete da mesquita Malindi. Não resisti a invadir este pequeno grande território proibido de Zanzibar. Via a mesquita com aquela forma cónica, ouvia a voz que várias vezes ao dia chamava para a oração e num impulso comecei a subir a escadaria. Entretanto ouvi passos e o barulho de uma porta a fechar-se. Só tive tempo para me esconder numa espécie de nicho. Vi-o passar.

Se chegar a ti um destes pedaços de papel que vou atirando para a rua, vou passar a acreditar em milagres! A garrafa de água está no fim, já não tenho comida. Estou a pensar entregar-me ao Iman que sobe a mesma escadaria cinco vezes por dia. Poderá esse Santo Homem perdoar-me?

E o Bagaço, será que o encontraste no Mambo Club? Fico mais tranquila quando imagino que os dois estão juntos.
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Já sonho com Ngorongoro XIII


Tenho saudades da Maria, não sei dela não a encontro em lado nenhum, estou altamente preocupado, o Ivar está no mesmo estado, o Andwele sente-se responsável porque a perdeu de vista, eu nunca perdi ninguém em nenhuma expedição e agora não sei da minha querida amiga Maria, que porra pá!
As horas passam e os dias, eu estou convencido que ela não saiu de Zanzibar, amanhã vou falar com os miúdos que costumam andar pelas ruas vou organizar uma busca porta a porta em Stone Town, a polícia? Epá o melhor é falar com estes amigos árabes, tenho de ir aos bairros, falar com o Iman, eu não o conheço, mas dizem-me que é uma pessoa com alguma idade, disseram-me para ia ser difícil porque não sou muçulmano, mas estou habituado a falar árabe, tenho feito alguns amigos e bons amigos árabes. Acho que sei como tenho de falar com ele.

Amanhã bem cedo, agora estou cansado e vou tentar descansar um bocado, o Ivar também e Andwele.
Só espero é que a Maria esteja bem onde estiver.
Inshalah!!


Bin
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Já sonho com Ngorongoro XIV

"Capítulo 103 do Alcorão - O Destino

Em nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso!

Pelo Destino!
Que o homem está em vias de se perder,
mas não aqueles que têm fé e praticam o bem, aconselham-se na verdade exortando
os outros na paciência e perseverança."



Depois de andar estes dias todos praticamente sem descansar e dormir, hoje bem cedo fui mesmo falar com o Imam, bem me tinham avisado que talvez não fosse fácil falaram da idade do Imam, mas, o que me diz a experiência no mundo árabe é que com as palavras certas podemos resolver muitas coisas.
Foi o que de facto fiz, caminhei pelas ruas de Stone Town já os comerciantes andavam na azáfama do dia a dia num ritmo próprio, calmo e sereno, as ruas apesar disso estavam meio vazias aqui e ali haviam algumas crianças a brincarem, a sorrirem sempre a sorrirem, às vezes penso que a boa disposição está mesmo no sangue.

O Ivan e o Andwele ficaram numa de Koalas em parte pelo cansaço acumulado ao longo destes dias que parecem não terminar desde que a Maria desapareceu.

Mas, dizia eu que as crianças brincavam na rua, também junto à Mesquita jogavam à bola , um deles percebeu-me português gritou logo "Figo, Figo!!..." claro que entrei um pouquinho no jogo, um deles deu um chuto maior na bola afastando-a vários metros do sitio onde estávamos, lá fui eu recuperar a bola e no momento em que vou dar um chuto na bola reparei nuns três talvez quatro papéis manuscritos junto à parede, mas não liguei até que num acto pouco reflectido, agachei-me e peguei num deles. Estava escrito em Português!!sim português de Portugal!! e sabem uma coisa?? era a letra da Maria!!

Fiquei tipo estátua a olhar para o papel, apanhei logo os outros e diziam a mesma coisa!Era a Maria pá! olhei em volta para tentar perceber de onde vinham os papéis, teriam sido levados pelo vento, ela estaria perto? Onde estaria a Maria? Tinha a certeza que ela estava perto, dizia-me o meu instinto, olhei para a lateral da Mesquita e vi uma janela pequena sem portada em madeira, não sei porquê pensei logo: É ali que está a Maria! Pensava eu...
Como iria eu entrar na Mesquita, falar com o Imam e conseguir ir à zona daquela janela? Era um problema bicudo para resolver, mas, estava decidido a tudo, depois dos dias loucos que passei com o Ivar e o Andwele a correr toda a ilha, horas e horas sem dormir sem descansar, estava pouco preocupado com as consequências, era mesmo preciso ir lá ver se a Maria estava de facto ali. Eu tinha mesmo de saber.
Depois de ter estes pensamentos a mil à hora dentro do meu pensamento, decidi entrar na mesquita para falar com o Imam e arranjar maneira de encontrá-la claro.
Entrei, falei com um homem que se prontificou a chamar o Imam, esperei um pouco até que me aparece um senhor alto, esguio de Djelaba branca vestida com a face marcada pelos anos mas com um sorriso de boa vindas na face, cumprimentei-o com a verdadeira cordialidade árabe claro, disse-lhe que precisava de falar com ele um pouco e ele acedeu.

Convidou-me a entrar numa sala com uma esteira no chão, cheia daquela cerâmica fabulosa nas paredes, sentamo-nos ele perguntou-me se eu bebia um chá, claro que aceitei (ficam a saber que adoro chá).

Tenho cimentado ao longo dos anos verdadeiras relações de amizade com o povo árabe em diversos locais, aprendi muita coisa com eles são gente de absoluta confiança, aos poucos vamos percebendo a sua forma de estar, os rituais, como se relacionam, como vivem e sentem.
Aprendi a falar árabe com os meus amigos tuaregues no deserto, numa noite deixaram de falar comigo em francês e passaram a falar apenas em árabe, nunca me esquecerei disto. Foi assim que aprendi a falar e a entender a língua árabe falada. É um lingua não difícil, vos digo.
Mas eu estava era mesmo diante do Imam, começamos a falar na calma típica de um Imam, fez-me algumas perguntas básicas, do género o que fazia eu ali, de onde era entre outras, expliquei-lhe que trabalhava na área de turismo, organizava expedições e safaris em África, sobretudo no Saara, bom quando lhe falei do Saara os seus olhos brilharam, e ai começamos mesmo um diálogo relativamente aberto, falei-lhe dos meus amigos tuaregues, do Imam da Mesquita de Zagora, um bom amigo, um bom homem com quem eu passava horas a conversar sobre o Islão, sobre Allah.
E aqui uma porta se abriu, o rumo da conversa mudou entramos no Islão, numa conversa que pode demorar horas a fio (e eu mortinho para conseguir subir as escadas à entrada e ir ver se a Maria estava ali em cima onde eu pensava), falamos do Profeta, da sua viagem pelo deserto - a Hijra, falou-me dos cinco pilares do Islão, o primeiro deles é a Shahada - uma simples declaração onde é afirmada a crença e evidência de um só Deus, e em que Maomé é aceite como o seu mensageiro. O segundo pilar é a Salat (oração), o terceiro pilar chama-se Zakat (esmola) que reflecte a compaixão que está na essência do islamismo. O quarto pilar é o Sawn (jejum), que tem lugar no nono mês do calendário islâmico, que é chamado o mês do Ramadão. Como os meses islâmicos são baseados na Lua, o jejum dura vinte e nove ou trinta dias, dependendo do aparecimento da lua nova. O quinto e último pilar do Islamismo é a Haj (a peregrinação), a grande concentração em Meca. Uma vez na vida, o muçulmano (homem ou mulher) deve viajar até Meca.
Isto foi-me explicado pela segunda vez por este Imam, uma vez que o Imam de Zagora já uma vez me tinha explicado detalhadamente tudo isto. Mas, é assim que as coisas funcionam, temos de escutar as pessoas para que elas nos escutem a nós.
Já iamos talvez no terceiro chá, quando o Imam decide ler-me dois capítulos do AlCorão, o primeiro porque eu lhe disse que estava muito ligado ao Sol, que o Sol me dava muita energia e boa disposição, passo então a transcrever um pouco:


"Capítulo 91 - O Sol

Em Nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso!

Pelo Sol e pelo seu esplendor,
pela luz quando o segue,
pelo dia que o revela,
pela noite quando o cobre,
pelo Céu e quem o edificou,
pela Terra e quem a estendeu,
pela alma e quem a modelou,
e lhe inspirou o que é certo e o que é errado..."


Ao fim de três horas de conversa sobre mim, o Islão e Allah, decidi explicar ao Imam porque estava eu ali, a falar com ele. Expliquei-lhe que estava em férias com uma Amiga e uns amigos da europa ali em Zanzibar, e que de repente a minha amiga tinha desaparecido sem deixar rasto, ele nem quis acreditar como era possível alguém perder-se em Zanzibar, eu expliquei-lhe que era possível pois há dias que eu quase não dormia à procura dela. Antes de ele me dizer que podia falar com os fiéis, mostrei-lhe os papeís que tinha encontrado quase à entrada da Mesquita, e expliquei-lhe que pensava que a minha amiga poderia estar dentro da Mesquita embora não soubesse bem porquê e como...

O Imam olhou para mim muito sério e pensativo, com um extrema bondade nos olhos e estendeu-me a mão para eu me levantar, sem nunca me largar a mão disse: "Bin, então o que estamos aqui a fazer vamos procurar!..."
Acreditei naquele momento de facto que, o que sabia há anos se provava ali mesmo, a verdadeira bondade e humanidade dos homens do Islão.
Procuramos em todas as salas e arrecadações na parte inferior da Mesquita e nada, ele sempre sem me largar a mão, aliás um gesto típico e fraternal a que estou habituado com os meus amigos árabes e tuaregues, subimos então os degraus da mesquita para o primeiro piso onde ficam normalmente as mulheres durante a oração, percorremos as salas e nada, fomos às arrecadações e nada...
e eu cada vez mais preocupado, até que o Imam se lembrou de irmos ver a uma pequena salinha que costuma estar fechada no extremo de um dos salões, abriu a porta e....estava a Maria semi-deitada no chão, encostada à parede, meio desfalecida quase não conseguia falar, devia estar ali há dias sem comer, tinha uma garrafa de água vazia ao seu lado, peguei nela ao colo e levei-a para a casa do Imam que fica nas traseiras da Mesquita, deitei-a em cima da cama, com um pano húmido limpei-lhe o rosto, e humedeci-lhe os lábios já gretados com um pouco de água que a irmã do Imam trouxe, confesso que estava bastante apreensivo não sabia há quanto tempo a Maria estaria sem água para não falar sem comer nada! enquanto isso pedi ao Imam para mandar alguém chamar um médico, vocês não imaginam como a Maria estava pá! Quase sem cor, muito fraquinha, sentei-me ao seu lado disse-lhe para não falar e estar quietinha que já tinhamos chamado um médico, ela apenas ia bebendo um pouco de água.

Estava feliz porque a tinha encontrado, mas também bastante apreensivo com o seu estado, num ápice chegou o médico Dr.Hassan, que esteve a observar cuidadosamente a Maria, o Imam ia dizendo para ter calma porque ela ia ficar bem com as graças de Allah, que estava dentro da Mesquita e que isso era o suficiente para acreditar que ela ia ficar bem. Inshallah dizia eu!!

O médico veio falar-me, disse-me que ela estava muito fraca mas fora de perigo de vida, disse quais os medicamentos que tinha de comprar, sobretudo vitaminas e que ela precisava de repousar durante uns dias e que não podia comer nada de pesado. Bom, fiquei bastante aliviado!! Já sabia que nunca mais a iria perder de vista nem um minuto durante o resto da Grande Viagem!!
Pedi ao Imam para mandar alguém chamar o Andwele com o jipe para irmos para o Hotel, enquanto esperavamos a Maria ficou deitada na cama, o Imam falava comigo, dizia-me que tinha gostado muito de nos ter ajudado e também da conversa que tinhamos tido, e disse-me a sorrir que eu "tinha ihsan dentro do meu coração".
Aquilo marcou-me tudo. Muito.
O Andwele chegou com o Ivar, ficaram radiantes de finalmente a Maria ter aparecido! Partimos da Mesquita quase ao meio-dia, o Imam despediu-se de nós com um cordial e sentido abraço e beijos na face, e disse-nos para irmos na paz de Allah.
Antes de sairmos de Stone Town ainda passamos numa farmácia e seguimos directos para o Hotel no outro lado da ilha.
Acabei de deixar a Maria deitada no seu quarto a descansar depois de lhe dar um pouco de sopinha fraquinha que fiz ali na cozinha do Hotel, dei-lhe os medicamentos e as vitaminas.
Fiquei lá um bocado sentado até ela adormecer.
Agora vou tomar um grande duche, comer qualquer coisa e sentar-me um pouco a reler as aventuras Capelo e do Ivens de Angola à Contracosta no cadeirão da varanda do quarto da Maria não vá ela precisar de alguma coisa, depois desta verdadeira aventura de dias sem descanso e tranquilidade preciso mesmo de um pouco da serenidade do som do Índico.

Bin----------------------------------------------------------------------------------------------------------------


Já sonho com Ngorongoro XV



Henk Braam

Devia juntar-me às outras pessoas e sentar-me no chão para comer o arroz e os legumes. Mas o que desejava era comer sozinha à sombra das árvores. O Sacerdote olhou para mim fixamente. Era impossível permanecer indiferente àquele olhar tão antigo. Percebi que deveria segui-lo. Olhei para a minha mãe que susteve a respiração. Sem palavras, transmitiu-me a mensagem. Não faças disparates, não fales, escuta apenas. Em silêncio segui-o. Andamos mais de uma milha. Não proferiu uma única palavra. E assim chegamos às margens do Ganjes, sei que era o Ganjes. Então ele continuou a caminhar. Seguiu em frente, atravessando a pequena maré, como se esta não exigisse uma pausa. E quando pensava que talvez tivesse enlouquecido, parou, virou-se e, olhando à sua volta, disse: dharma! dharma!
Ali, naquele local sagrado, lembrava-me que havia um modo correcto de viver.

Delirei bastante certamente. Mas estas imagens eram recorrentes. O rosto desse Sacerdote, eu menina. E depois ouvir a tua voz e perceber aquele rosto. O meu Sacerdote era o Imam! Hinduismo e Islamismo tinham o mesmo rosto! Templos e Mesquitas, Brama e Alá, Vedas e Alcorão, fundidos no sonho delirante de uma católica romana perdida em Zanzibar. Mas sei que o meu passado distante tocou todos esses mundos. Terei sido algum dia aquela menina? Esse homem será aquele que me guia em todas as vidas?

Começo a sentir-me mais forte mas continuo confusa. No meu sonho o Sacerdote cantava um hino: "tocai a concha, acendei o incenso". E o Imam dizia "toda a ventura que te ocorra emana de Deus; mas toda a desventura que te açoita provém de ti." Avisos. Sob a forma destas vozes profundas, tão meigas. Avisos. Vocês sentem esta humidade? bin, bagaço, Andwele!
Acho que preciso de mais repouso!
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Já sonho com Ngorongoro XVI






Joris van Daele

Ninguém conhece a história da próxima aurora.
(provérbio africano)

Ontem sentei-me no jardim a falar com o Andwele. Tu dormias, assim como o Bagaço, e nenhum sonho parecia querer despertar-vos. Pedi-lhe que me falasse da sua aldeia. Ele falou num tom sério, falava de saudade e de desgosto, mas terminava sempre todas as frases com uma nota de alegria. Não me cansava de ouvir falar de Magadi. Os olhos dele ficavam cada vez mais límpidos, e através dos seus olhos, também os meus. O Andwele tem uma boca bonita e um sorriso gracioso, emana paz. E assim com ele, pouco a pouco, xhuia-xhuia, a paz voltou.
Por volta das seis horas da manhã, acordei com o pássaro que canta debaixo da minha varanda. Existe uma gaiola dourada enorme e sobre ela pousa sempre esse pássaro. É uma ave canora rara. Pensei decidiu desafiar o mundo tomando posse dessa gaiola. E com esse pensamento, descobri que sorria novamente.

Depois o reflexo desta luz, deste amanhecer nas águas da piscina. E não resisti a apossar-me dela. Durmam todos e que nenhum sonho vos desperte. Não quero tudo. Só este momento. Assim.

Ouço ao longe uma música.
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Já sonho com Ngorongoro XVII

Hoje à tarde fui com o Bagaço à Sharia Palestine, a rua mais movimentada de Port Said. Como sempre, um de nós tinha que ficar retido em qualquer lugar e desta vez, foste tu, bin. Dois ferries avariados!? Olha amigo, tenta disfrutar de Port Fuad e logo que puderes vem ter connosco. Uma vez que já conheces, decidimos visitar o Museu Nacional. Durante algumas horas mergulhámos no Egipto antigo, pré-histórico e faraónico. E é claro que fomos à sala da família Khedival. Então bin, diz-me, o que têm Nova Iorque e Port Said em comum? Pois imagina que Auguste Bartholdi, o escultor da Estátua muito americana Da Liberdade se inspirou nas gigantescas estátuas de Abu Sindel. O primeiro nome que ele deu à Estátua foi "Egipto carregando a Luz da Ásia". Só que Khedive Ismail (que reinou o Egipto entre 1854 e 1863) decidiu que o projecto era demasiado caro. "A Luz da Ásia" foi então enviada para os Estados Unidos. Quem podia imaginar esta história! Depois do Museu, divertimo-nos a fazer compras, ou não fosse esta cidade um mega duty-free. Conseguimos um lote de música de Mohammed El-Bakkar por tuta e meia. As capas dos álbuns são deliciosas. Logo já os vês e ouves!











Ya Habibi (Meu amor)

Mohammed El-Bakkar
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Já sonho com Ngorongoro XVIII




Continuo em Port Said mas desta vez, não! Não sou capaz. Só te digo que o cruzeiro pelo Canal do Suez, inaugurado há já 136 anos, continua a ser uma experiência magnífica. E o que me leva a recusar o teu pedido? Respondo-te com outra pergunta: já leste Eça de Queiróz? Eu sei que sim e por isso vais compreender que prefira deixar-te, em vez dos meus relatos apressados, estas crónicas do Diário de Notícias de Janeiro de 1870, escritas pelo nosso querido Eça. Começa assim:

Sr. Redactor.
Acedo da mais perfeita vontade ao seu desejo de ter a história real das festas de Suez. Conto-lhe, porém, simplesmente e descarnadamente, o que me ficou na memória daqueles dias confusos e cheios de factos: tanto mais que as festas de Suez estão para mim entre duas recordações - o Cairo e Jerusalém: estão abafadas, escurecidas por estas duas luminosas e poderosas impressões: estão como pode estar um desenho linear a lápis, entre uma tela resplandecente de Decamps, o pintor do Alcorão, e uma tela mortuária de Delaroche, o pintor do Evangelho.

E depois, assim:
Tínhamos voltado, eu e o meu companheiro, o conde de Resende, de uma excursão às pirâmides de Gizé, aos templos de Sakkarah e às ruínas de Mênfis, quando no Cairo soubemos que estavam na baía de Alexandria os navios do quediva que deviam levar-nos a Port Said e Suez.
(...)
...naquele dia 17, da inauguração, Port Said, cheio de gente, coberto de bandeiras, todo ruidoso dos tiros dos canhões e dos urras da marinhagem, tendo no seu porto as esquadras da Europa, cheio de flâmulas, de arcos, de flores, de músicas, de cafés improvisados, de barracas de acampamento, de uniformes, tinha um belo e poderoso aspecto de vida. A baía de Port Said estava triunfante. Era o primeiro dia das festas. Estavam ali as esquadras francesas do Levante, a esquadra italiana, os navios suecos, holandeses, alemães e russos, os yachts dos príncipes, os vapores egípcios, a frota do paxá, as fragatas espanholas, a «Aigle», com a imperatriz, o «Mamoudeb» com o quediva, e navios com todas as amostras de realeza, desde o imperador cristianíssimo Francisco José, até ao caide árabe Abd el-Kader.

Bem, talvez seja melhor leres tu mas guarda bem estas crónicas!

Port Said tem uma história atribulada. Entre 1956 e 1967, a cidade foi afectada pelo conflito árabe-israelita e chegou a ser evacuada. Só depois da guerra de Outubro de 73, quando o Egipto recuperou a maior parte dos seus territórios ocupados por Israel, é que a cidade se tornou segura e os seus habitantes puderam regressar e iniciar a reconstrução. Desde os acordos de paz estabelecidos em 1979 a cidade desenvolveu-se, sendo hoje a quarta maior cidade egípcia e o segundo porto mais importante do país, depois de Alexandria. No Museu Militar podemos encontrar algumas trágicas relíquias das guerras de 56, 67 e 73. Mas sabes, a cidade ainda guarda vestígios da traça arquitectónica dos finais do século XIX. Se pudesses ver a minha varanda alta com este balcão de madeira! É claro que tinha que me lembrar do Eça!


Port Said
Mohammed El-Bakkar
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Já sonho com Ngorongoro XIX


Feluca, veleiro típico do Nilo

Assouan... Ballet de felucas. Velas brancas num horizonte que se estende até à ilha Elefantina. A noite desce sobre o Nilo. Abu enrola as suas velas de grosso algodão, baixa os mastros. Qual pirâmide de cabos esticados, a ponte de Assouan perfila-se sobre as águas calmas do rio. O pof pof das bombas de rega cala-se. Aqui e ali nas margens, uma nora gira ainda em soluços. Os marinheiros nas felucas gritam uns para os outros, chamam-se de longe. No regresso à aldeia, sempre este desafio. Como fazer-se ouvir sob um céu povoado de milhares de garças!
Uma nuvem de crianças acolhe-os. As mulheres prepararam as favas para o foul tradicional. Quase de forma prematura, a penumbra adensa-se. Sobre El Qurna, emanações de karkadé, odores de iguarias e o cochicho dos cachimbos de água vêm habitar o silêncio que se instala todas as noites. O vento do Nilo aparece... À borda d'água, um burro zurra, alguns cães famélicos, cor de areia, ladram. As mães chamam os filhos. Palmeiras doum recortam-se em frisos que ondulam.
É noite. A terra e a água silenciam. Nem mais um som, nada. Nós apreciamos as estrelas que parecem fixar-nos no firmamento. O ar arrefece. Entramos na barraca e sentimos a tepidez da madeira. Como Moisés no seu berço, dormimos entre caniços, aninhados no meio das águas do rio sagrado. O imaginário, esse, desperta. Abu...